Retina Desgastada
Idéias, opiniões e murmúrios sobre os jogos eletrônicos
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20 de agosto de 2008

(não) Jogando: Brothers in Arms

Logo após saltar de pára-quedas em território inimigo durante o Dia D, o sargento Harrison C. Summers invadiu um conjunto de prédios ocupado por cerca de 100 soldados nazistas. Quando ele saiu de lá, cinco horas depois, o lugar estava pacificado e havia trinta alemães mortos espalhados pelo chão. A maior parte deles Summers matou sozinho, com uma submetralhadora Thompson. Há testemunhas. Por sua extrema eficiência e bravura, o sargento foi indicado para a Medalha de Honra, mas nunca recebeu. Summers ganhou uma condecoração inferior e uma promoção para Tenente.

Sessenta anos depois, Harrison C. Summers recebe uma outra “homenagem” ao se tornar a inspiração para o personagem Matt Baker, do jogo Brothers in Arms: Road to Hill 30. Baseado em uma série de TV, baseada em um livro, baseado em fatos reais, o jogo se pretende ser uma evolução dos tradicionais jogos de Segunda Guerra Mundial e apresentar uma nova camada tática e mais realismo. Fracassa em ambas as pretensões e ainda ofende a memória do sargento Summers e seu feito extraordinário.

Táticas Equivocadas

Brothers in ArmsApós o avassalador sucesso de Medal of Honor, jogos ambientados no maior conflito militar da história da humanidade se tornaram uma febre. De uma hora para outra, todo desenvolvedor se achou no direito de visitar virtualmente a guerra e oferecer sua versão jogável para uma platéia ávida por enfrentar as forças nazistas. Naturalmente, com tantos títulos sendo despejados no mercado ao mesmo tempo, qualidade não era algo a ser dado como certo. Para cada Call of Duty lançado, havia três ou quatro clones mal-implementados que nada acrescentavam ao gênero e/ou que careciam de carisma.

Para tentar escapar da mesmice, os desenvolvedores da Gearbox Software optaram por criar um híbrido de FPS com RTS, introduzindo no jogo a possibilidade de se controlar esquadrões de soldados e utilizar táticas “reais” de combate. No papel do comandante Matt Baker, o jogador deveria conduzir seus soldados por cenários pré-configurados, encontrar as melhores posições para lutar (convenientemente preparadas pelos designers de níveis) e ordenar a um esquadrão para manter o inimigo sob fogo pesado, enquanto outro grupo (ou o próprio Baker) flanqueia o inimigo e finaliza. A tática provavelmente é autêntica e também é explicada na série de jogos de estratégia Close Combat.

Aliás, a comparação com Close Combat não apenas é inevitável, como também é cruel. Como um autêntico RTS, a implementação das táticas militares na jogabilidade flui com naturalidade. Em Close Combat, como na maioria dos jogos de estratégia, você representa um comandante parcialmente onisciente, isolado do cenário do conflito. Você vê o que seus soldados vêem. Você sabe o que eles sabem. Em Brothers in Arms, Matt Baker é Deus. Ele sabe a posição exata das unidades inimigas. Ele pode parar o tempo e ter uma visão panorâmica da “arena”. Seus comandados o seguem até o Inferno se for preciso e suas ordens são como Mandamentos gravados na pedra. Em Close Combat, se você tenta enviar os soldados para uma ação suicida, eles não tem medo de dizer “No way!” e cruzar os braços.

E sempre existem barreiras atrás das quais os soldados podem se abrigar. Sempre existe uma rota para flanquear o inimigo. Brothers in Arms se torna uma sucessão de cenários muito semelhantes, onde o botão que chama a visão Matrix-esca da batalha é seu constante aliado. Suprimir, flanquear, finalizar. Suprimir, flanquear, finalizar. Suprimir, flanquear, finalizar. Brothers in Arms se resume a esta mesma tática usada até a exaustão. Nunca estive em combate no mundo real (e espero permanecer ignorante deste assunto), mas se a guerra de verdade for isto, ela é de fato muito simples.

Não é Real

Os Verdadeiros Brothers in Arms

Brothers in Arms vende a idéia de que é historicamente correto e calcado na experiência real de soldados da Segunda Guerra. Mas não é necessário ter servido com os pracinhas em Monte Castelo para saber que a há algo de surreal neste jogo. Não existem curativos flutuando no ar ou caixas de munição dando mole, mas muitos são os fatores que distraem o jogador e lembram a ele constantemente que está diante de um jogo, quase um arcade,  e não um  simulador do History Channel.

Os já citados poderes divinos de Matt Baker são um exemplo. Matt Baker tenta argumentar com o jogador que para-quedistas sempre tem um mapa detalhado da região onde irão atuar antes de cada missão. Faz sentido. O que não faz sentido é poder pausar a ação e, ainda por cima. visualizar o mapa da área com a posição dos inimigos já marcada. Quantas não foram as vezes em que eu descobri soldados nazistas escondidos desta forma, soldados que eu ainda não tinha visto com meus próprios olhos... A teoria do “mapa detalhado” também não bate com o começo do jogo, onde, após um salto de um avião em chamas, Baker e outros soldados precisam perguntar para um morador local onde é que eles estão.

O jogo também apresenta um indicador sobre a cabeça dos inimigos, para que você saiba se eles estão realmente se escondendo do fogo pesado ou se estão relaxados e prontos para fuzilar os soldados aliados. Ao contrário de Close Combat (mais uma comparação), a munição dos comandados do jogador nunca se esgota. Eles nunca se cansam, nunca questionam ordens ou surtam e avançam contra o inimigo. Como em Close Combat.

A Inteligência Artificial dos oponentes claramente deixa a desejar. Eles não conhecem a tática de suprimir, flanquear, finalizar. Eles não apenas não a usam contra Baker e seus esquadrões, como ainda se deixam encurralar enquanto são sistematicamente flanqueados e mortos. É triste ver como algo tão importante quanto IA tenha regredido após Half-Life. Os soldados nazistas de Brothers in Arms estão no mesmo nível intelectual de seus compatriotas de Wolfenstein (o primeiro).

Summers Rulez!

Sargento Harrison C. Summers (em 1964) No dia em que o sargento Summers entrou no covil do lobo, ele não tinha um mapa detalhado das posições dos inimigos. Os designers do mundo real não tinham preparado o cenário com locais estratégicos para ele se esconder. Ele não podia pausar a batalha. Ele comandava soldados, mas na hora em que deu a ordem de invadir e entrou no conjunto de prédios que o tornaria lendário, ninguém o seguiu. Para ser fiel aos fatos, o soldado Camien entrou um tempo depois. E só.

Matt Baker não é Summers. Ele atira mal, muito mal. Ele reclama constantemente que não queria o comando de seus homens. Ele parece pouco a vontade. Todos nós sabemos que guerras de verdade não são divertidas. Morrer é ruim. Matar também. Mas Matt Baker não perde uma única cutscene do jogo para relembrar estes fatos. Para o jogador tradicional, o personagem principal (justamente aquele que você irá personificar ao longo de toda a trama) soa como um fracassado, um emo chorão. Tente imitar Summers no jogo e você vai se dar muito mal.

Summers pertence ao imaginário coletivo e define o termo “herói”. Baker é um homem comum, com seus temores, suas inabilidades, suas falhas. Summers pertence a jogos do calibre de Medal of Honor e Call of Duty, onde um único indivíduo pode (ainda que na ficção) fazer a diferença. Baker pertence a Brothers in Arms e tudo o que ele quer é garantir a segurança de si mesmo e seus rapazes e voltar para a casa.

Summers foi o primeiro (e talvez único) exemplo que é possível enfrentar 100 soldados inimigos sozinho e triunfar. Seu “jogo” não foi um RTS ou um híbrido qualquer. Era um FPS. Sem direito a health packs, bunny hops ou carregar 10 armas diferentes.

Harrison C. Summers morreu de câncer do pulmão em 1983. Amigos tentaram fazer com que ele recebesse a tão cobiçada Medalha de Honra após sua morte, mas não tiveram sucesso.

Ouvindo: Icon of Coil - Situations Like These

3 comentários:

Luiz Tavares disse...

Grande Matéria! Adorei. Está de parabéns cara.

Renné disse...

Bem é tdo verdade, mas mesmo assim eu adoro brothers in amrs, ate q acho bem realista e acho q a ideia foi mistuarar um pouco de realismo com o divertimento... O jogo flaha sobre aquele mapa panoramico e pausar, mas são coisas necessárias, como tbm o medidor dos soldados alemães, e o jogo e meio antigo né, ainda não havia como fazer mais perfeito... E eu achava q o matt baker realmente tinha existido...

Obs: Sobre a taticas, bem, eu uso varias taticas diferentes, não apenas fogo supressivo-flanquear e finalizar, eu ja usei atque direto, ja mandei meus homens atacarem enquanto dou cobertura, inumeras taticas...

silverAceband disse...

Apesar de muitas falhas, BIA é sim um jogo com um esquema diferente e inteligente. O fato de descobrir as "posições" vai do jogador usar o modo "facil" do jogo. E sobre o mapa, concordo que não deveria ter, mas até onde sei COD tb pausa, MOH tb, BF tb e ai? Enfim bacana a ideia da materia, mas em minha visão achei mto fraca. Abraço

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