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19 de novembro de 2008

Jogando: Gothic 3 (parte 3) – Mundo, Mundo, Vasto Mundo

A guerra contra os Orcs segue sem sinais de terminar. Nas últimas semanas, cada hora vaga (e algumas nem tão vagas) foram ocupadas com Gothic 3. O jogo vicia. Você sempre está disposto a conhecer mais uma cidade, desbravar mais uma caverna, lutar mais uma batalha, buscar a armadura perfeita, a arma perfeita, o feitiço perfeito. Cada metro quadrado deste fantástico e graficamente deslumbrante continente guarda um segredo, um perigo, pronto para ser revelado.

Infelizmente, ser viciante não significa que o jogo não tenha suas falhas. Estou aqui para contar por que Gothic 3 não irá entrar em minha lista de favoritos, ao contrário de seus predecessores.

Encontre Xardas!

No primeiro dia de jogo eu fui informado que o necromante Xardas poderia ter sido o responsável pela esmagadora vitória do exército invasor. Tomei conhecimento também que doze Cálices de Fogo seriam importantes para a trama. O Rei Rhobar estava sitiado em seu castelo e não estava acessível para ninguém. Logo em seguida, o jogo me deu um tapinha nas costas e disse: "agora vai matar Orcs, meu filho!". Até os aliados do Herói Sem Nome, que vieram com ele da Ilha de Khorinis desapareceram no horizonte, cada um indo para um rumo desconhecido.

Uma semana depois eu descobri que determinados Artefatos místicos precisavam ser encontrados.

Xardas Quatro semanas depois, com o personagem principal transformado em uma máquina de matar, invadi a capital, derrubei dezenas de Orcs e encontrei o Rei. O mesmo Rei que havia mandado o Herói Sem Nome para a prisão, sem motivos aparentes, lá no primeiro jogo. Disposto a libertar as cidades do jugo do inimigo na unha se fosse necessário, imaginei que sua majestade iria me nomear Hortator, quero dizer General dos exércitos, me emprestar uns Paladinos e eu conseguiria vencer o jogo. Ledo engano. O Rei pronunciou algumas desculpas vagas pelo aprisionamento e me deu uma missão: "encontre Xardas!".

Quatro semanas, centenas de Orcs, monstros e mercenários derrotados e o jogo solta uma informação que eu já tinha desde o começo.

Há inúmeras missões em Gothic 3, em cada cidade do continente. Missões para cada facção: Orcs, Rangers, Nômades, Rebeldes etc. Missões de todo tipo. Excelentes para ganhar pontos e melhorar as estatísticas do personagem. Nenhuma delas avança a história principal um centímetro. Ao contrário dos títulos anteriores, não há uma progressão visível, não há reviravoltas, o mundo não se altera, os inimigos não repovoam o cenário. Nos dois primeiros jogos, havia uma divisão em capítulos. Cada virada significa mudanças: novos inimigos surgiam, novas raças, locações importantes se tornavam inacessíveis, aliados surgiam ou morriam. O mundo não ficava parado esperando o Herói chegar.

Gothic 3 é um jogo extremamente curto e estático, com um mapa gigante no meio.

O Mapa é o Jogo?

O primeiro jogo de Gothic apresentava um mundo vasto e aberto à exploração, o interior da prisão mística da Ilha de Khorinis. Foi meu primeiro contato sério com um jogo no estilo sandbox, onde você pode ir na direção que desejar, realizar o que quiser, desde que seu personagem esteja apto a isto. Gothic 2 era três vezes maior que o jogo anterior e apresentava toda a Ilha de Khorinis para ser desbravada, incluindo a antiga prisão. Gothic 3 é, pelo menos, três vezes maior que o jogo anterior e introduz todo um continente para o jogador. Seguindo os cálculos, este jogo é nove vezes maior que o primeiro. Nove vezes.

Gothic 3 - Esquerda ou Direita?

Mas quantidade não é sinônimo de qualidade. E liberdade de ir e vir não pode ser o único atributo de um jogo. Principalmente se for um RPG.

Morrowind Em Elder Scrolls III: Morrowind (com o qual o primeiro Gothic é constantemente comparado), a trama se expande por todo o território de Vvardenfell, com missões diversificadas que vão introduzindo o personagem no folclore daquele universo ao mesmo tempo que desvenda o tamanho da responsabilidade que repousa em seus ombros. Em Baldur's Gate 2, o filho de Bhaal atravessa uma sucessão de desafios, cujas soluções, ao invés de aproximá-lo da paz, mais o aproximam do inevitável horror de sua herança.

Até GTA San Andreas, que é três vezes maior que Grand Theft Auto III, tem um enredo  que preenche perfeitamente o novo espaço físico e conduz o jogador de ponta a ponta do cenário. Pode-se ignorar a estrada principal e realizar missões secundárias, ou simplesmente perambular de carro pelas redondezas. Mas com a segurança que a rota para o final está bem sinalizada.

Em Gothic 3, o jogador é largado na imensidão, sem uma orientação segura. O fio condutor não está visível. Ele é tão vago que se dissipa no abismo da liberdade anárquica.

Até mesmo o pouco de enredo que o jogo possui, é falho diante da ênfase que os desenvolvedores deram à liberdade do jogador. O Rei Rhobar afirma que Xardas pode ter a chave para restaurar o poder dos paladinos e libertar Myrtana. Porém, atrás de mim, graças apenas ao fio de minha espada, um quarto da população Orc do jogo não respira mais. Com a evolução do personagem, sua eficiência cresceu junto. Eu poderia exterminar o exército invasor se tivesse tempo e disposição. Sem Xardas, sem Cálices, sem Artefatos. Gothic 3 te dá tamanha liberdade que torna possível matar personagens-chave sem aviso, terminar a guerra com um banho de sangue e ignorar a trama por completo (o que nem é difícil). Um jogador entediado poderia até, acredito, eliminar toda e qualquer forma de vida do continente.

Depois de tantas semanas dedicado ao jogo, apenas um terço do território foi coberto. Infelizmente, não se pode dizer o mesmo da história...

Procurando Culpados

O desenvolvimento de Gothic 3 foi problemático. Seu lançamento precipitado colocou no mercado um jogo com uma quantidade insuportável de bugs técnicos. A grande maioria deles foi resolvida com o último patch.

Piranha Bytes A Piranha Bytes pode se esconder atrás dos conflitos com a distribuidora JoWood para justificar seus erros? Mais seis meses ou mais um ano no ciclo de desenvolvimento teriam produzido uma obra-prima? Ou o projeto estava fadado ao fracasso desde o começo? O grande problema de Gothic 3, infelizmente, não está nos recessos obscuros de seu código-fonte. Está em sua estrutura, em seu excesso de ambição, sua mudança de perspectiva.

Sua estrutura narrativa é primária, quase um Super Mario: "Desculpe, a princesa está em outro castelo". Você liberta cidades após cidade dos Orcs, mas o jogo não avança. Ele se repete mecanicamente, fornecendo migalhas de informação que podem (ou não) conduzir a sua conclusão. O enredo deste jogo é muito mais tênue que o de seus antecessores e ainda é esticado por um espaço nove vezes mais amplo.

Um continente inteiro é muito mais do que a maioria das equipes de desenvolvimento poderia ousar tentar. A Piranha Bytes encarou o desafio e saiu mordida. Há falta de detalhes em determinados pontos do cenário, falta de criatividade nas cidades tão parecidas (com a rara exceção da soberba Faring), falta de personagens cativantes. O toque de mestre dos Gothics anteriores era a reprodução de um mundo vivo, pulsante, rico de movimento. Gothic 3 é amplo, mas vazio.

Se o foco anteriormente estava na história, no desvelar da rede de intrigas que ameaçava a raça humana, neste título os desenvolvedores se deixaram deslumbrar pelo aspecto gráfico e pela paisagem. Gothic 3 é um dos jogos mais belos já lançados. Mas sua história é primária.

Para Onde?

Ainda resta uma longa estrada para o Herói Sem Nome. Guardo esperanças que, após uma "introdução" de quatro semanas, o enredo se desenvolva. A Piranha Bytes ainda tem crédito comigo.

E Xardas tem as respostas.

Ouvindo: The Distillers - Love Is Paranoid

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